Foto: Arquivo Histórico do São Paulo FC, restaurada via IA

TODO CRAQUE PRECISA DE UM TERTO.

por Bruno Assis

Houve uma época em que o São Paulo Futebol Clube tinha uma linha de ataque formada por Terto, Gérson, Toninho Guerreiro, Pedro Rocha e Paraná; ataque bicampeão Paulista em 1970 e 1971, colocando um fim no jejum de 13 anos sem títulos.

O pernambucano Tertuliano, ponteiro direito, era criticado por não ter a fineza com a bola nos pés como os seus companheiros. Mas poucos tinham tanta raça e dedicação como o camisa 7 tricolor.

Às vezes, num perfeito lançamento de Gérson, o Terto se atrapalhava para dominar a bola, o que trazia reclamação, não só do “papagaio” (um dos apelidos de Gérson) como da torcida.

Na verdade, as coisas para Terto nunca foram fáceis. Enfrentou inúmeras oposições, crises e adversidades para alcançar seu lugar no disputadíssimo cenário do futebol profissional.

Veio do Tricolor de Pernambuco, o Santa Cruz. Seu futebol atraiu a atenção dos dirigentes do Tricolor Paulista. Chegou como um das grandes revelações do futebol nordestino.

O Mais Querido enfrentava o período sofrível de ausência de títulos. Terto chega na Pauliceia Desvairada, e se desvaira também. As noites paulistanas fizeram os olhos do jovem brilharem, e seu futebol obscurecer. As noitadas comprometeram seu rendimento em campo.

Os jogadores mais experientes disseram que, se ele não se dedicar nos treinos, o Diedê Lameiro, jamais o colocaria entre os titulares. “Jogador de segundo tempo, é isso que você quer?”, o confrontavam.

O Terto chega na época em que o 7 do time era o Faustino que estava na fase derradeira. O tricolor ainda dispunha de Nicanor, Miruca e Paulo Nani, e o Terto seguia como meia-direita (o popular camisa 8).

Até que chega o experiente treinador Zezé Moreira e vê um moço cheio de saúde e raça, apesar do pouco trato com a bola, mas se encanta com a sua velocidade. O Zezé era amante de ponta-direita, era fã de Julinho Botelho e amigo de Telê Santana, viu em Terto uma velocidade de uma Lamborghini Miúra e uma força de um trator. “Vou por esse cara aberto na ponta-direita. Ele vai atropelar quem ousar ficar no seu caminho”, refletiu o técnico da seleção na copa de 1954.

Essa posição revolucionou o futebol do jogador. Combinou com sua personalidade pernambucana: encarar e ir para cima sem medo.

Em 1970, começa chegar os “cobras”. O consagrado Gérson, “Canhotinha de Ouro”, para João Saldanha, “o maior jogador em atividade no país”. Se junta com Roberto Dias, Edson Cegonha, Pedro Rocha, Toninho Guerreiro, Paraná… O Terto teria espaço nessa constelação?

“O Terto é a nossa válvula de escape, eu abaixo a cabeça e ele já dispara”, dizia o Gérson.

“Ô Papagaio, não joga a bola em mim não. Você lança com muita curva, e eu tenho dificuldade de dominar. Lança para eu correr, que eu me garanto”, aconselhava o Terto.

Era passar a bola num espaço vazio, que Terto surgia como um raio por trás da marcação.

Jogar com Pedro Virgílio Rocha também, que absurdo! Lançamentos e passes milimétricos.

Em uma de suas entrevistas, Pedro Rocha contou um fato curioso sobre Terto. O pernambucano não gostava de bola nos pés: “Olha, gringo, não me dê mais a bola no pé. Joga em cima do zagueiro que eu atropelo e vou parar no gol”.

Era muita gente de terno. Precisava de alguém mais informal. Uma espoleta impetuosa. Esse era Terto. Desgovernado. Metia gols, cruzava e brigava. Se precisasse de alguém para ir numa guerra, o Terto seria a pessoa certa. Era fácil amar o Terto.

Jogou ao lado do então mancebo, o canhota matador, Serginho Chulapa, do jovem Murici, do Chicão, onde juntos foram campeões paulistas em 1975.

Jogou ao lado do doutor Sócrates e do craque Lorico no Botafogo de Ribeirão Preto.

Ontem, o nosso ponteiro foi para os gramados de cima. Marcou época. Foram 498 jogos com 84 gols marcados.

Poucos vestiram tantas vezes a camisa do São Paulo Futebol Clube como o Terto. Na sua frente, apenas o De Sordi, Teixeirinha, Poy, Waldir Perez e o Rogério Ceni

O Terto veio nos mostrar que o futebol não é composto só por craques e gênios. Veio sinalizar que o futebol exige vontade, raça, determinação e coragem. Há tantos craques abúlicos, sem vida. Muitos passaram… O Terto permaneceu!

A verdade é que o Terto não parava um só instante. Nem a morte pode parar as lembranças, os cruzamentos e a alegria do seu futebol valente.