JOGADOR TÉCNICO OU TÉCNICO JOGADOR?

por Bruno Assis

O melhor futebol era jogado aqui no Brasil, e Zagalo participou ativamente das nossas três primeiras conquistas de Copa do Mundo. O título máximo que marcaria toda uma geração, passou pelos pés e pelas ideias desse pequeno alagoano.

Era praticante de todos os esportes, no America do Rio de Janeiro, mas foi no futebol que o Zagalo iniciou em 1948, no juvenil do Brasinha, a sua brilhante carreira.

Esteve presente na fatídica final de 1950, quando o Brasil perdeu de 2 a 1 para o Uruguai, como soldado do exército brasileiro.

Dois anos mais tarde, em 1952, o mesmo técnico daquela seleção, o Flávio Costa, promoveu Zagallo para o time profissional do Flamengo.

O futebol do Zagallo cresceu com a chegada do paraguaio Fleitas Solich no comando do Flamengo. Era uma época em que todo time tinha um ponta rápido, driblador e agudo; e que todo time dispunha de geniais meias armadores. Foi aí que o Zagallo, que já era formado em contabilidade, fez uma constatação racional diante dessa concorrência tão pesada. Passou a jogar recuado, ajudando na marcação e no suporte às ações de ataque.

Futebol técnico ou técnico de futebol? Só o tempo diria.

Os times nos anos 50, jogavam no 4-2-4, com uma linha de ataque e dois armadores. O Zagallo era o terceiro do meio, uma revolução na época.

O zagueiro Bellini dizia que Zagallo foi o único atacante que ele viu que ajudava o meio-campo.

Até que ele se juntou às feras do Botafogo com Didi, Nilton Santos e Garrincha. Entrosamento que vinha desde a seleção. Ajudava na marcação e deixava o meio livre para o Didi brilhar. Segurava na esquerda para o velho Nilton Santos dar suas subidas ao ataque… e erguia a cabeça, procurando o Mané na outra extremidade do gramado. Os jogos eram ganhos ali.

Campeão do Mundo, fez gol na final dos 5 a 2 sobre a Suécia.

Ninguém só vive de glórias. O Zagallo ao voltar ao seu clube, recebe uma entrada violenta no clássico contra o Flamengo do zagueiro Jadir. Seu joelho esquerdo ficou muito comprometido, o que o deixou afastado por nove meses.

Marcado por superação, o ponta volta para ser bicampeão carioca e bicampeão mundial pela seleção. No Chile, novamente foi titular no lugar do goleador Pepe, o qual havia se contundido.

O Pepe eleva o poder de fogo do ataque? Sim. O Canhoteiro era mais driblador e genial pela ponta? Sim. Mas o Zagallo era aquele que sacrificava para os outros brilharem. Não tinha vaidade. Não competia com os demais. Se os companheiros jogassem bem, era o bastante. Era a formiguinha, apelido que ficaria conhecido. Zagallo era essa formiga operária.

Era uma espécie de treinador dentro de campo. “Vai que eu seguro aqui”, dizia para o Nilton. “Velho, não sobe muito que esse ponta é um capeta, precisa de nós dois aqui”, falava ao seu amigo Enciclopédia do Futebol.

Em 1965, os veteranos do Botafogo perdem espaço com a vinda de uma outra geração liderada por Jairzinho e PC Caju, Rogério e Cia. Aqui ele assume como técnico do principal em 1966. Montou um esquadrão com Cao, Moreira, Zé Carlos, Sebastião Leônidas e Waltencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto Miranda, Jairzinho e Paulo Cesar.

Vai para a Copa no lugar de João Saldanha, fazendo mudanças relevantes na equipe. Viu que o time do Saldanha era frágil no meio de campo. Colocou vários jogadores talentosos na meia cancha. Com Clodoaldo, Gérson e Rivellino, junto com Pelé, Tostão e Jairzinho que ocupavam os espaços do campo. Inventou o Piazza que era volante, na quarta-zaga, o Everaldo como um lateral mais fixo e o Rivellino como um falso-ponta pela esquerda, junto com o jovem Clodoaldo pelo meio. O Gérson jogava na grande lua do gramado. Longe do gol. Mas o Zagallo conhecia o estilo de liderança e os lançamentos milimétricos dele. O Pelé, mais cerebral, atraía todas as atenções, enquanto o Jairzinho deitava e rolava. Foi a maior seleção de todos os tempos.

Foi o primeiro ser humano a vencer a Copa do Mundo como jogador e como treinador.

Muitos dizem bobagem ao afirmar que o “Zagallo era uma figura decorativa” e que “quem decidia eram os craques”, mentira! Os próprios jogadores desmentem tal fato.

Zagallo, cresce, fica enorme… resolve trocar o Botafogo pelo Fluminense, onde foi campeão carioca sobre sua ex-equipe. Tendo o Parreira ao seu lado. Em 1972, ele vai para o Flamengo, onde também é campeão carioca e da Guanabara no ano seguinte.

O Zagallo mostrava que não era um acidente. Tinha talento e manjava muito do riscado.

Em alta, vai para a Copa de 1974. Sem Tostão, Gérson e Carlos Alberto, mas ainda era uma seleção de grandes jogadores. Fizemos uma péssima Copa, o Luiz Américo fez a música “Camisa 10”, na qual fazia críticas ao treinador. O Brasil fez uma péssima copa. Foi eliminado pela excelente Holanda. O Velho Lobo parece que estava grandão. Chegou a dizer que eram os holandeses que deveriam se preocupar com o Brasil, comparando o jogo deles com o “tico-tico no fubá” do America de 1946. Acho que o Zagallo talvez por um momento, tenha esquecido que brilhava quando era formiguinha. Foi 2 a 0 para a Holanda, Brasil eliminado. Perdeu também a decisão de terceiro lugar para a Polônia.

Zagallo foi massacrado. Chamado de retranqueiro, defensivo, traidor das virtudes do futebol brasileiro. Logo ele.

O Lobo foi então para o deserto árabe. Treinou o Kuwait. Voltou para treinar o Vasco onde foi campeão da Taça Rio (segundo turno no carioca) de 1980. Idas e vindas ao mundo árabe, ganhou a Taça Guanabara de 1984 pelo Flamengo. Classificou o Emirados Árabes para a Copa de 1990.

E a Seleção sofreu com Telê Santana em duas Copas do Mundo. O futebol precisava ser repensado. Em 1990, o futebol europeu e lazaronês invade a Seleção Brasileira, que sucumbe ao talento da Argentina de Maradona.

Até que Carlos Alberto Parreira, que treinava o modesto Bragantino, assume a Seleção Canarinho e leva seu amigo experiente Zagallo consigo. Foram 24 anos sem vencer uma Copa.

O início foi pedreira. Mas quem dava a cara a tapa nas entrevistas era o Zagallo. Procurou trazer o resgate do amor à camisa da Seleção que havia se perdido. As mãos dadas ao entrar no campo foram influência positiva de Zagallo.

Na Copa de 1994, o time era tático e consistente na defesa. Na frente, a magia acontecia com Bebeto e Romário. Fomos campeões!

O Zagallo é convidado para comandar o Brasil na Copa seguinte. Antes, perdeu as Olimpíadas amargas para a Nigéria em 1996, mas venceu a Copa América de 1997, batendo os donos da casa. Foi onde surgiu a famosa frase do Zagallo para responder às críticas feitas principalmente pelo jornalista Juca Kfouri que soltou: “Vocês vão ter que me engolir!”

Na convocação, o Romário é cortado por uma contusão que o mesmo afirmava ter condições de jogo. O Brasil não empolgou, bateu a Holanda nos pênaltis e foi goleado pela França na final.

O Lobo está abatido. Vai para São Paulo, local onde talvez foi mais hostilizado. Por substituir os ponteiros paulistas na Copa, por não dar atenção para os times de São Paulo nas convocações… mas é ali onde o Lobo vai se abrigar.

Mário Jorge Lobo Zagallo vai para a Portuguesa de Desportos, e mesmo sem conquistar títulos, foi muito homenageado e aplaudido pelos paulistas, principalmente nas cidades do interior.

Era o fim? Não!

Em 2001 o Flamengo contrata para ser seu técnico. Comandou a conquista do tricampeonato carioca (1999/00/01). O gol do Petković no último minuto contra o Vasco. O Zagallo pulava que nem uma criança.

Em 2006, a CBF levou o Zagallo para a Copa como uma espécie de amuleto sagrado. Não estava bem de saúde, mas tinha vontade e disposição para estar no seu habitat natural.

Se aposenta como um vencedor.

Finalizo com a frase do Vanderlei Luxemburgo: “Respeito o Telê Santana, mas o meu grande ídolo é o Zagallo”.