A TESOURA NOS PÉS DO OSMAR

por Bruno Assis

No chão de terra batida era onde nasciam os gênios do futebol. Solo avermelhado, poeira que sobe cada vez que a bola encontra o pavimento.

Foi num desses cenários, brincando com a bola de meia na rua, que chamou a atenção dos mais velhos, como o pequeno Osmar tinha o controle daquela pequena esfera. A bolinha se rendia aos seus pés, fazendo o que ele quisesse.

“Osmar, vamos jogar no nosso time? Precisamos de você para a peleja que teremos com a rua de cima!”. Era estranho para ele, porque ele sempre viu o futebol como mais uma brincadeira de criança, sendo essa a sua favorita.

Teve que trabalhar desde novinho, seu pai faleceu quando era criança, e teve que ajudar sua mãe viúva para a manutenção da casa.

Vida difícil em que o Osmar sempre trazia um sorriso no rosto. Trabalhou de entregar pilhas de jornais, não conseguia levar tudo porque era franzino, então fazia várias viagens correndo. Chamava atenção dos moradores a velocidade desse menino.

Nas horas vagas, jogava bola. E como jogava. Fazia filas na sua casa com um monte de gente convidando para ele jogar pelos times da região.

“Ei, eu só quero brincar em paz!”, dizia ele, pois não curtia essa seriedade que aquela gente conduzia o futebol.

Mas quando jogava, (ou melhor, brincava) dava show. Sua fama correu pela várzea porto-alegrense como ponteiro-esquerdo pelos times da capital gaúcha.

A grande dificuldade dele não foi nenhum zagueiro, era sua resistência em ter que usar chuteiras. A sola grossa dos pés calejados, nunca foi problema para jogar contra os outros de chuteira. Não teve jeito, para entrar na brincadeira, teve que usar.

O Osmar ficaria conhecido nacionalmente como Tesourinha, muitos diziam que o apelido veio porque ele costumava dar cortes secos em seus marcadores. Na verdade surgiu de um bloco carnavalesco chamado “Os Tesouras”, do qual Osmar fazia parte.

Pessoas mais velhas iam até a sua casa conversar com a sua mãe para que ele pudesse fazer testes para ser jogador profissional. Após muita insistência, ele foi fazer teste no Estádio dos Eucaliptos. Deu um verdadeiro espetáculo. Ele não sentia a responsabilidade do jogo, driblava quem se atrevesse a cruzar seu caminho. Impressionava também pela facilidade em bater na bola. Agradou tanto que acabou aproveitado nas fileiras do Sport Club Internacional.

Nos Aspirantes do Colorado, ele logo passou a fazer parte do time principal. A turma dizia: “O Tesoura é fera! Mas não é magro demais, pega um cavalo gremista arrebenta com ele.”

O Tesourinha era ponta-esquerda desde a várzea, só que havia o Carlitos que jogava por ali (ponta goleador nato). O técnico foi todo acanhado falar com o Tesourinha para ele jogar na outra ponta, porque queria muito contar com os dois jogando. O Carlitos era mais pavio curto, talvez não aceitasse. O Tesoura respondeu: “Pode me colocar em qualquer canto, o importante é eu jogar”.

Era a peça que faltava para equipe que ficou conhecida como o “Rolo Compressor”, que contava com uma linha ofensiva que marcou época: Tesourinha, Rui, Adãozinho, Eliseu e Carlitos.

Ganhando dinheiro, entregava com muito orgulho para as mãos sofridas de sua mãe. “Ganhar dinheiro brincando”, era como ele mesmo definia. Um tapa na cara dos jogadores milionários que temos hoje.

Seu futebol o leva a Seleção. Algo difícil na época de acontecer, já que o eixo Rio-São Paulo que dominava.

Como titular, a Seleção enfia impiedosos 6×1 no Uruguai em São Januário. É convocado para jogar o Sul-Americano em 1946 formando uma das melhores linhas ofensivas da Seleção Brasileira em todos os tempos; Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair e Ademir.

Ganhou numa eleição popular o prêmio de “Melhoral dos Craques”, concorrendo com outras feras do futebol.

Convivendo com os jogadores vascaínos na seleção, ele vai jogar no Gigante da Colina em 1950.

Barbarizou os defensores adversários, atuando pelo time cruz-maltino. Nome certo para ser titular na Copa daquele ano. Porém, num embate contra o Fluminense, o lateral Bigode divide uma bola com o Tesourinha que leva a pior. Resultado: cortado da Copa. Seu maior sonho!

Com seu nome estabelecido no cenário nacional, Tesourinha sai do Vasco, e vai para o Grêmio. Sim, o maior rival do Inter. Foi uma indignação absurda contra o Tesourinha. Que nunca enxergou futebol desse jeito, rivalidade, disputa de poder, nada disso. Era um jogo… uma brincadeira.

Chegou no Grêmio fazendo história. Se tornando o primeiro jogador negro a vestir a camisa do tricolor gaúcho.

Hoje, o pequeno Osmar ainda nos convida para brincar. O esporte lúdico e criativo que é o futebol, perdeu espaço para o bloco dos Tesouras passar. Com ginga, alegria e leveza. Não era assim que jogávamos?